RADIO WEB JUAZEIRO : Tim Maia romântico



sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Tim Maia romântico

Peça, baseada em livro, revela algumas carências do cantor e ressentimento dele em relação a Roberto Carlos, exposto de forma caricata

Eugenio Goussinsky
Thór Junior interpreta Tim Maia no musical | Foto: Reprodução/Instagram Tim Maia - Vale Tudo

O lado romântico de Tim Maia prevalece na peça Tim Maia — Vale Tudo, em cartaz no Teatro Claro SP, na capital paulista. Com uma preparação que mesclou técnica e intuição, Thór Junior interpretou o papel de forma precisa e sensível.

Como o espetáculo remete a uma conversa de Tim com a plateia, a fusão entre ator e personagem permite que, em certos momentos, ele realmente fale como se fosse o próprio Tim Maia. E os espectadores se transportam, acreditam.

A plateia se surpreende com a forma como a origem de cada canção é contada — e cantada. Conhecendo a história de Tim, ela vai desvendando o mistério dos sucessos que marcaram a vida de várias gerações. A obra é baseada no livro homônimo de Nelson Motta e tem curadoria de Carmelo Maia, filho do artista.

A carência de Tim é compreendida quase em sua plenitude por meio dos versos que ele criou. Azul da Cor do Mar, por exemplo, nasceu de um lampejo que serenou sua solidão. E cada hit marcante — Você, Um Dia de Domingo, Me Dê Motivo — tem um motivo. Retrata uma parceria.

Interessante também é o impacto da voz dele, que emergia de maneira tão natural. Era como se a beleza do som que emanava fosse proporcional à sua instabilidade, à ânsia interminável que o levou às drogas, à resistência — às vezes saudável, outras não — a padrões, a rompantes de impaciência e de vaidade.

Em meio a essas buscas, ele mergulhou no Cultura Racional, movimento espiritual que o inspirou a compor dois álbuns e depois o viu sair furioso, decepcionado com o que chamou de exploração e fanatismo.

Com Tim, não havia meias palavras. O cantor era transparente ao admitir isso, ao se decepcionar com projetos, ao ponto de cair fora de corpo inteiro. Natural do bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, Sebastião Rodrigues Maia cresceu cercado de música e de afeto, protegido pela mãe, dona Maria Imaculada.

De família pobre, ele chegou a entregar marmitas quando criança. Mas, desde cedo, a música foi sua esperança. Ouvia os ritmos norte-americanos que ecoavam nas rádios e tentava imitá-los. Tinha uma afinação precoce e um timbre que já impressionava. Ganhou seu primeiro violão aos 12 anos e já cantava no coro da igreja.

Sua carreira teve início no começo dos anos 1960, em pequenos conjuntos musicais do Rio, até formar o grupo The Sputniks, ao lado de um jovem chamado Roberto Carlos — amizade que nasceria ali e marcaria ambos, ainda que, mais tarde, fosse atravessada por diferenças de temperamento.

Tim viveu entre 1959 e 1964 nos EUA. Por lá, buscou aperfeiçoar sua música e absorver o soul e o rhythm and blues na fonte. Foi quando compôs suas primeiras canções em inglês.

A dureza da vida como imigrante veio junto. Tim trabalhou em subempregos, passou por dificuldades financeiras e acabou preso por porte de maconha, o que o levou à deportação. Voltou ao Brasil com a cabeça cheia de ideias e o coração dividido entre a genialidade e o caos.

Mesmo talentoso, ele sempre se ressentiu por não se ver reconhecido. Mas não era fácil abrir portas. Nem para Tim. A peça expõe um ressentimento dele em relação a Roberto Carlos. Exagera ao desconsiderar, de forma implícita, os feitos e o talento do Rei para ascender à fama, retratando-o muito mais como um artista que soube aproveitar as oportunidades.

Roberto, inclusive, é apresentado de forma caricata, com a voz anasalada, o que pode ser levado pelo lado do bom humor, mas também pode desmerecer sua qualidade vocal e sua personalidade. Diferente da de Tim, o que talvez tenha sido determinante para que Roberto conquistasse o reconhecimento que Tim Maia sempre desejou.

Tim Maia e seu legado

Nos últimos anos, a saúde de Tim começou a cobrar o preço dos excessos. Durante uma apresentação em Niterói, em março de 1998, ele passou mal no palco e foi levado ao hospital, onde morreu dias depois, aos 55 anos.

O musical busca mostrar toda essa capacidade de transformar a dor em poesia. Viaja pelos dilemas e ilumina uma trajetória marcada pela genialidade, pelo descontrole e pela recusa em se enquadrar.

Porém, se vivo estivesse — e mesmo em vida ele deve ter percebido isso —, Tim se contentaria com sua própria grandeza. Irreverente, intempestiva, corpulenta. Com uma capacidade até de superar os grandes nomes do blues e do soul. Ritmos, aliás, insuficientes para definir o perfil deste artista. Ele só podia ser enquadrado no estilo Tim Maia.

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